Caderno de Campo Altos e Córregos do Recife e Olinda - Diário de Campo 9: Alto Santa Terezinha 23/04/2024
Posted by Carlos Lunna on 31 October 2024 in Brazilian Portuguese (Português do Brasil).Este é o nono entre os diários de campo que compõem o caderno de campo da minha pesquisa sobre interações sociotécnicas nos Altos e Córregos da Zona Norte do Recife e sua área contígua em Olinda, cidades localizadas na Região Metropolitana do Recife (RMR). Mais detalhes sobre a pesquisa vocês podem ver na minha tese de doutorado, publicada em https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/48802. Para a tese a delimitação socioespacial foram os Altos e Córregos da Zona Norte do Recife, a parte de Olinda foi agregada depois da tese.
Os diários de campo foram realizados em minhas idas ao território objeto de estudo. Nessas idas sempre registrei o percurso com o aplicativo OSM Tracker. Este é o track da minha ida ao Alto Santa Terezinha, Recife/PE, em 23/04/2024 http://u.osmfr.org/m/1060051/
Na manhã do dia 23/04/2024 segui rumo ao Compaz (Centro Comunitário da Paz) Eduardo Campos, no Alto Santa Terezinha, na Zona Norte do Recife/PE. Na ida fui de carro de aplicativo, pois marquei com a pessoas que iria me acompanhar lá (vou chamá-la aqui de Dandara nome fictício) às 9h e não queria ter que me acordar muito cedo ou me atrasar. Embora o local do encontro estivesse a 9km de onde eu parti, via transporte público esse percurso poderia durar entre 45min e 1h20min. Quando chegamos na altura da garagem da empresa de ônibus Caxangá, na Av. Presidente Kennedy, no bairro de São Benedito, ainda em Olinda, nos deparamos com um protesto que fechava a via no sentido terminal da Xambá. Nesse momento, percebi que foi acertada minha ida no carro de aplicativo. Mesmo assim, cheguei de 9h30 no Compaz.
Após driblarmos o engarrafamento, cruzamos a Avenida Beberibe e pegamos a Ladeira do Sapoti rumo ao Compaz. Nesse caminho passamos por um dos espaços de sociabilidade mais conhecidos do Alto Santa Terezinha, o Bela Vista Social Clube, que promove uma noite cubana nas tardes de domingo bastante concorrida entre moradores locais e da Região Metropolitana do Recife (RMR) como um todo.
Chegando ao Compaz, de cara percebi que o lugar tinha uma boa acessibilidade, com rampas e boa sinalização. Me dirigi a recepção, onde tinham pessoas recebendo informações para tirar documentos, para saber onde ficava a atividade cultural que eu iria presenciar. Vi também que em todos os andares haviam banheiros e o local estava bastante limpo. O Compaz Alto Santa Terezinha foi inaugurado em 2016, com o objetivo de ser um equipamento público que oferecesse cidadania, cultura e lazer. No lugar acontecem apresentações culturais, cursos de artes, músicas, esportes entre outras habilidades, além de tirar documentos e abrigar campanhas sobre saúde.
A prefeitura aproveitou, segundo Dandara, algumas estruturas que já haviam antes, como uma quadra para esportes e uma escola. Há também uma creche bem próxima, formando ali um complexo de educação, cultura, cidadania e lazer. Andando no entorno, encontrarmos também um campo de futebol de várzea por trás do Compaz, de onde dá pra se ter uma boa visão de altos e córregos vizinhos. Do Compaz na visão mais distante ao norte dá pra avistar Olinda, onde uma boa referência é a antena da antiga TV Manchete, que fica no bairro de Jardim Brasil e ao sul os prédios gigantes de bairros como Arruda, Parnamirim, Casa Amarela e Casa Forte.
O Compaz também tem telas em todos os andares, o que prejudica fazer fotos da parte mais alta do prédio. Apesar de ser um espaço com boa infraestrutura, cabe averiguar se a comunidade moradora no entorno consegue pautar as ações que ocorrem no Compaz ou são tratados como meros beneficiários dessas ações. Será um ponto de observação em idas futuras e numa entrevista semi-estruturada que pretendo fazer com a Dandara, já que esta ida foi mais para uma primeira aproximação com ela e com o Alto Santa Terezinha. Abaixo alguns registros fotográficos:
Na volta, voltei de ônibus, até para circular um pouco pelos altos próximos que também são de meu interesse de estudo. De início identifiquei um problema na infraestrutura de transporte: perguntei se havia algum ônibus que levasse para o terminal de Xambá, de onde eu poderia fazer integração para ir pra Olinda e Dandara me disse que não tinha. O TI Xambá fica a 2,7 km do Compaz! Mas, o fato de não haver um ônibus para lá, faz com que seus moradores precisem pegar um ônibus para a estrada velha de Água Fria para poder pegar outro ônibus, pagando outra passagem, o que inviabiliza de muitos moradores do Alto Santa Terezinha e arredores, acessarem serviços e lazer no município vizinho.
Depois de andarmos mais um pouco pela Avenida Aníbal Benévolo, onde fica o Compaz, passamos pela Unidade de Saúde da Família do Alto do Pascoal e ficamos na parada de ônibus. Neste momento já era perto do meio dia e a avenida, apesar de ser uma das vias mais movimentadas do bairro, cerca de 200 metros depois do Compaz já fica bastante estreita. Movimento intenso de carros e motos e de crianças e adolescentes largando do turno da manhã.
Peguei a linha nº 712 Alto Santa Terezinha que vai até o centro do Recife e volta. Conforme o ônibus desce pela íngreme e longa Rua Tamboara, identifiquei problemas bastante comuns nos altos e córregos no limite entre Recife e Olinda, que é o excesso de carros, tendo uns que esperarem para os outros passarem, o que deixa o trânsito bastante confuso e perigoso. Pedestres e ciclistas ficam altamente prejudicados neste contexto.
Durante o percurso do ônibus, que passou pelo Alto do Pascoal, Alto do Deodato e Bomba do Hemetério, áreas de interesse da minha pesquisa, percebi as infraestruturas de locomoção como escadarias, a sua maioria equipadas com corrimões, também as infraestruturas de contenção de barreiras, onde prevaleciam as lonas, mas também com a presença de muros de arrimo e geomantas em alguns pontos. Abaixo algumas fotos exemplificando a altitude, a ocupação do espaço, as infraestruturas, além do track dos meus caminhos de ida e volta, que também pode ser visto de modo interativo em http://u.osmfr.org/m/1060051/
O Alto Santa Terezinha e arredores guarda particularidades como ter um equipamento cultural da magnitude do Compaz e uma atração cultural que atrai a atenção de toda a RMR. Ao mesmo tempo, guarda muitas semelhanças com os demais altos e córregos no limite entre Recife e Olinda: as ladeiras íngremes e estreitas com trânsito desordenado, a necessidade infraestruturas de deslocamento, a vida cultural bastante rica e a lógica do transporte público operando sempre no sentido de conduzir as pessoas enquanto mãos de obra para as áreas centrais da cidade e nunca numa lógica em que as pessoas circulem para usufruir de todas as dimensões da vida, o que prejudica oportunidades de estudo, de trabalho, cultura e lazer.